segunda-feira, 26 de outubro de 2015


Uma vez, quando eu tinha seis anos, vi uma imagem magnífica num livro sobre a Floresta Virgem, chamado "Histórias Vividas". A gravura mostrava uma jibóia a engolia uma fera. Fiz-vos esta cópia.

O livro dizia que "a jibóia  engole a presa inteira, sem mastigar. Depois não se pode mexer e passa os seis meses de digestão a dormir." 

Então, pensei e tornei a pensar nas aventuras da selva, peguei num lápis de cor e fiz o meu próprio desenho. O meu desenho número 1. Ficou assim:


Fui mostrar a minha obra-prima às pessoas crescidas. Perguntei-lhes se o meu desenho metia medo. As pessoas crescidas responderam-me: "Porque é que um chapéu havia de meter medo?"
O meu desenho não era um chapéu. O meu desenho era uma jibóia a fazer a digestão de um elefante. Para as pessoas crescidas entenderem porque as pessoas crescidas estão sempre a precisar de explicações, fui desenhar a parte de dentro da jibóia. O meu desenho número 2 ficou assim:


As pessoas crescidas disseram que era preferível eu deixar-me de jibóias abertas e fechadas, e dedicar-me à geografia, à história, à matemática e à gramática. E assim abandonei, aos seis anos, uma magnífica carreira de pintor. Ficara completamente abalado com o insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2. As pessoas crescidas nunca entendem nada sozinhas e uma criança acaba por se cansar de lhes estar sempre a explicar tudo.
Escolhi, portanto, outra profissão e aprendi a pilotar. Conheci grande parte do mundo de avião. E, afinal, a geografia acabou por me prestar bons serviços. Saber distinguir a China do Arizona à primeira vista pode ser bastante útil depois de uma noite a voar sem rumo certo.
Com um trabalho deste género tive, evidentemente, uma data de contactos com muita gente importante. Vivi durante anos e anos no mundo das pessoas crescidas. Vi-as de bem perto. Não fiquei com muito melhor opinião delas.

Mal encontrava uma com um ar um pouco lúcido, fazia-lhe a experiência do meu desenho número 1, que nunca deitei fora. Queria verificar se realmente era capaz de entender alguma coisa. Mas ouvia sempre a mesma resposta: "É um chapéu". Então, não me punha a falar de jibóias, de florestas virgens ou de estrelas. Punha-me ao seu nível. Falava de bridge, de golfe, de política e de gravatas. E a pessoa crescida ficava toda contente por ter conhecido um homem tão sensato.

Antoine de Saint-Exupery, O Principezinho. Editorial Presença, 32ª edição. Lisboa: 2009