quinta-feira, 30 de junho de 2016

Os sonhos mais delicados - à memória de Saint-Exupéry


Olhamos para as suas palavras e parecem-nos oráculos de sabedoria. Verificamos a sua vida e encontramos os gestos permanentes da coragem. Medimos a sua respiração e é sempre um sonho feito de consciência. Medimos a sua respiração feita de solidariedade e empenho e encontramo-nos perante as mais evidente formas de beleza. Verificamos em cada um dos seus vôos uma queda vertical contra a tirania, essa forma absurda de existir contra os outros. Bebemos nas suas palavras linhas permanentes de consciência. Uma insistente forma pela viagem, a vinculação pela aventura, a geografia do poema em cada forma de possíveis, esses laços essenciais de que a raposa também conhecia. 

Ele foi o principezinho, um continente de procura e descoberta de planetas infindáveis de sonhos, mesmo aqueles que são habitados por pequenos homens, repositórios de doenças do espírito, a visão de uma cidade sem moral, sem a inteligência dos gestos do amor mais terno. Foi, é uma figura universal e aquilo que dele vimos é que foi quase um milagre que um homem destes por aqui tenha andado, de mãos dadas com a fantasia, a única forma de ver em dias de espuma sem espanto. Nasceu há um pouco mais de cem anos em Lyon, há justamente cento e quinze e foi um escritor, um ilustrador e deu a vida pelo combate por essa doença maior do espírito, o nazismo. 

Estudou mecânica, entre 1909 e 1914 no colégio de Notre-Dame, em Mans. A partir de 1914 muda-se para a Suiça, para a cidade de Friburgo. A partir de 921 integra 0 2º Regimento de Aviação de Estraburgo. Em 1926 começa a sua carreira na aviação civil fazendo a carreira entre Toulouse, Casablanca e Dacar. Tornou-se um piloto com grande experiência no deserto, do qual diria “este silêncio não é igual a nenhum silêncio.” Morreu sobre a costa de Marselha durante a 2ª guerra mundial. Deixou uma obra de grande valor humanista, ele que era maior que o Humanismo e onde encontramos os temas que lhe ocuparam a vida. Escreveu para diferentes jornais, onde reflectiu sobre esse desastre humanitário que foi a Guerra civil de Espanha, ou a ocupação alemã da França. Da sua obra destaca-se evidentemente O Principezinho, datado de 1943, que foi escrito durante o seu exílio nos Estados Unidos. Outras obras merecem referência, as publicadas em vida e as póstumas:

Em vida:
* O aviador – 1926
* Correio do Sul – 1929
* Vôo Noturno – 1931
* Terra dos Homens – 1939
* Piloto de Guerra – 1942
* O Principezinho – 1943
* Carta a um refém – 1943/1944


Póstumas:
* Cidadela – 1948
* Cartas de juventude – 1953
* Cadernos – 1953
* Cartas à sua mãe – 1955
* Escritos de guerra – 1982


Este homem extraordinário é uma memória viva do século XX e a demonstração de como somos sempre qualquer coisa que vive dos muitos que por nós passam. O questionamento que deixou no Principezinho e a releitura que nos propõe dos nossos julgamentos, das nossas precárias formas de sucesso são uma pérola de sabedoria. A criança que fomos, um ideal para olhar o mundo com  ternura antiga e esse valor de humanidade, essa constância de eternidade que cada vida pode ser. Chama-se Antoine de Saint-Exupéry e continua por aqui, para os que ainda saibam olhar o real e as cores universais da beleza.

A dança das Palavras (III)

Despedida

O orvalho brilhante da manhã
Transformou-se em vidro seco e frio.
O ar congelou, sabe agora a solidão.
Já não se sente a alegria
Nem o toque da tua mão.

Já não se sentem os pés
E as estrelas do céu já sumiram.
Os meus olhos tu já não vês...
As minhas palavras há muito partiram.


Beatriz Carolina Ferreira Sanches (2016), 9º ano, Colégio Via Sacra, Viseu.
Imagem - Copyright : m-ban

quarta-feira, 29 de junho de 2016

A dança das Palavras (II)

Viajante

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra
Só esta incerteza com que enfrenta o caminho.
Ninguém sabe que alma encerra
Este viajante, que caminha sozinho
Pela estrada, no nevoeiro.

Anda sem rumo de terra em terra
E canta à noite, num tom baixinho.
Nem ele sabe que sonhos tem,
Nem o o que é mal, nem o que é bem,
Nem o que alcançará primeiro.

E pede às estrelas que o ajudem
A ser inteiro.

Ana Cristina Pereira. (2010). 12º ano, Escola Secundária Stuart Carvalhais
Imagem: Copyright - Tomoe Komukai

terça-feira, 28 de junho de 2016

As cidades do espírito


Pois eu tenho visto muitas vezes a piedade se perder. Mas nós que governamos os homens, temos que aprender a sondar com seus corações afim de não ministrarmos nossa solicitude senão como objecto digno de estima. Mas essa piedade, eu a recuso nas feridas que se exibem que comovem o coração das mulheres, como recuso aos agonizantes, e aos mortos. E sei porquê. (…)

Morada dos homens, quem te fundaria sobre o raciocínio? Quem seria capaz, segundo a lógica, de te edificar? Existes e não existes. És e não és. És feita de materiais díspares, mas é preciso te inventar para te descobrir. De mesmo modo que aquele que destruiu a sua casa com a pretensão de conhecê-la, não consegue mais que um monte de pedras, tijolos e telhas, não encontra nem sombra nem silêncio nem intimidade para o que elas serviam, e nem sabe que serviço esperar desse monte de tijolos, pedras e telhas, pois falta-lhe invenção que os domine, a alma e o coração do arquiteto. Pois falta à pedra a alma e o coração do homem. (…)
Assim sobre a virtude. Meus generais, em sólida estupidez, vieram falar comigo sobre a virtude: ‘Vocês aí, disseram-me, que os costumes se corrompem. E é porque o império se decompõe. É preciso endurecer as leis e inventar sanções mais cruéis. E cortar as cabeças daqueles que fracassarem.’

Eu, pensava, comigo:
‘Talvez seja preciso cortar cabeças. Mas a virtude é, de início, consequência. A corrupção dos homens é antes de tudo a corrupção do império que determina os homens. Pois se estivesse ele vivo e são, ele exaltaria a nobreza dos homens. 

Aquele que vem até mim com sua linguagem para apreender e exprimir o homem na lógica de sua exposição, parece-me semelhante à criança que se instala ao pé do Atlas com seu balde e uma pá, e formula o projeto de pegar a montanha e a transportar para outro lugar. O homem é o que é, não o que se exprime. Certamente que o objetivo de toda consciência é se exprimir o que é, mas a expressão é obra difícil, lenta e tortuosa, – e o erro está em crer que não é isso que não pode primeiramente enunciar. Pois enunciar e conceber têm o mesmo sentido. Mas é frágil a parte do homem, naquilo que eu até hoje aprendi a conceber. Mas, isso que eu concebi um dia não existia menos no dia anterior, e eu me engano se eu imagino que isso que eu não pude exprimir do homem não é digno de ser considerado.

Pois assim eu não exprimo a montanha, mas a significo [dou significado a ela]. Mas eu confundo significar e apreender. Eu significo a quem já conheça, mas aquele que a ignora, como saberei lhe transmitir esta montanha com suas ravinas de pedras rolantes e seus flancos de odores e seu topo escarpado rumo às estrelas? E eu sei quando esta não é uma fortaleza arrasada ou um barco sem direção do qual se solta a corda do anel de ferro para deslocar para onde quiser – mas existência maravilhosa com as leis de sua gravitação interna e seus silêncios mais majestosos que o silêncio da maquinaria das estrelas.

Fragments (I), (III) e (XVI) e (XXX)


A dança das Palavras (I)

O fio

Lado  a lado iam juntos,
ao calor e ao frio,
de manhã e de noite,
sem que alguém se aproximasse,
iam juntos, separados por um fio.
Pensaram em abraçar-se,
tão forte era o frio,
mas apenas caminharam,
lado a lado, juntos,
separados por um fio.

Guilherme António Fonseca. (2012). 8º ano, Escola Secundária Braancamp Freire.
Imagem - Copyright: Painting