domingo, 29 de abril de 2018

Manguel - os livros e a literatura


Alberto Manguel é um homem de livros, um bibliófolo e um apaixonado por esse espaço de recolhimento e silêncio que são as Bibliotecas. De certo modo é um homem de um mundo que se constrói a pensar, a ler e a escrever sobre esse pensamento e essa leitura. Em muitos aspectos é um sonhador, como Ulisses à procura de uma Ítaca, mas ainda à procura de uma resposta que de um ponto final permita fazer outros recomeços.

Alberto Manguel faz-nos pensar na Literatura, nas suas possibilidades, naquilo que as palavras permitem de identificação com os outros, do nosso próprio reconhecimento do mundo. Ele dá-nos essa certeza de como as Bibliotecas são espaços de renovação de cada um, nas suas perguntas essenciais. o que somos em cada momento? Com eles descobrimos que mesmo nesses espaços há histórias para encontrar, para a construção de uma identidade, mas afinal só as encontramos em parte. Afinal somos uma parte fraccionada do que julgamos ser.

Alberto Manguel é um wanderer, um viajante sem lugar fixo, um homem à procura de um espaço, onde possa colocar a sua Biblioteca. Afinal só ela é que lhe dá um sentido de pertença. Só ela para compor uma identidade no espaço dos fantasmas, da vida que mal se compreende. Só nela para deixar as perguntas que nunca são respostas, pois a Literatura ama a contradição da vida e joga nela todas as seduções do inesperado, dos outros. 
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terça-feira, 10 de abril de 2018

Mês do livro e da leitura - abril 2018


Mês do Livro e da Leitura

Lemos com os ouvidos os barulhos da cidade,
com os olhos a beleza da paisagem,
com o cheiro o doce e o amargo e com o tato descobrimos
cada textura.

1 a 30 abril | Bibliotecas de Lisboa | (via RBE)

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Dia internacional do livro infantil

A dois de Abril celebra-se o Dia Internacional do Livro Infantil, em memória de uma dos mais importantes escritores para o público infanto-juvenil (Hans Christian Andersen) e para celebrar a importância do livro infantil. Objecto de leitura e de prazer lúdico como elemento formativo e de incentivo à imaginação. A IBBY (International Board on Books for Young People) todos os anos procura um escritor que se dedicando à escrita de livros para o público infantil possa deixar uma mensagem para celebrar este dia. A mensagem de 2018 foi escrita por Inese Zandere, escritora da Letónia com uma obra premiada há já algum tempo. Eis a mensagem que vale a pena ler e pensar como leitura de um objecto primordial.

"As pessoas inclinam-se para o ritmo e para o equilíbrio, tal como a energia magnética organiza as aparas de metal numa experiência da física, tal como um floco de neve forma cristais a partir da água.

 Num conto de fadas ou num poema, as crianças gostam de repetição, de refrãos e de temas universais, porque eles podem ser reconhecidos uma e outra vez – trazem ao texto regularidade. O mundo ganha uma ordem bonita. Ainda me lembro como, em criança, lutava comigo mesma para defender a justiça e a simetria, pela igualdade de direitos da esquerda e da direita: se tamborilava com os dedos em cima da mesa, contava quantas vezes tinha de bater com cada dedo, para que os outros não se sentissem ofendidos. E quando aplaudia, batia com a mão direita na esquerda, mas depois pensava que não era justo e aprendi a fazê-lo de maneira contrária – batendo com a esquerda na direita. Este desejo instintivo de equilíbrio parece engraçado, é certo, mas mostra a necessidade de evitar que o mundo se torne assimétrico. E eu tinha a sensação de ser a única responsável por todo o seu equilíbrio.

 A inclinação das crianças por poemas e por histórias surge igualmente da sua necessidade de levar harmonia ao caos do mundo. Da indeterminação, tudo tende para a ordem. As canções infantis, as canções populares, os jogos, os contos de fadas, a poesia – são formas de existência ritmicamente organizadas que ajudam os mais pequenos a estruturar a sua presença no grande caos. Criam a consciência instintiva de que a ordem do mundo é possível, e que as pessoas têm nele um lugar único. Tudo conduz para este objetivo: a organização rítmica do texto, as linhas com letras e o design da página, a impressão do livro como um todo bem estruturado. O grande revela-se no pequeno, e damos-lhe forma nos livros infantis, mesmo quando não estamos a pensar em Deus ou na dimensão fractal. Um livro infantil é uma força milagrosa que favorece o enorme desejo das crianças e a sua capacidade de ser. Promove a sua coragem de viver.

Num livro, o pequeno é sempre grande, de forma instantânea e não apenas quando se chega à idade adulta. Um livro é um mistério onde se pode encontrar algo que não se procurava ou que não estava ao nosso alcance. Aquilo que os leitores de uma certa idade não conseguem compreender, permanece na sua consciência como uma impressão, e continua a atuar mesmo quando não o compreendem totalmente. Um livro ilustrado pode funcionar como uma arca do tesouro de sabedoria e cultura mesmo para os adultos, da mesma forma que as crianças podem ler um livro para adultos e encontrar nele a sua própria história, um indício para as suas jovens vidas. O contexto cultural molda as pessoas, estabelecendo as bases para as impressões que se farão sentir no futuro, assim como para experiências mais difíceis, às quais terão de sobreviver sem por isso terem de deixar de ser íntegras.

Um livro infantil representa o respeito pela grandeza do pequeno. Representa um mundo que se cria de novo uma e outra vez, uma seriedade lúdica e preciosa, sem a qual tudo, incluindo a literatura para crianças, seria apenas um trabalho pesado e vazio."

Inese Zandere, " O pequeno torna-se grande num livro", IBBY, 02.04.2018
Imagem - Cartaz para a versão portuguesa, Fátima Afonso

domingo, 1 de abril de 2018

Abril


É um mês de muitas possibilidades. É um recomeço a construir um pensamento livre, como uma circunferência de giz a imaginar detalhes de um sonho.  É um mês de promessa, o do Verão a sobrar de dias ainda pouco quentes, de uma luz de cor de mar, ou de céu de montanha. É um mês de livros, a declamar palavras em ruas de chuva, a sonhar com o mês das rosas.
É Abril, um mês a imaginar um pensamento, como aves penduradas no vento. 
Contemplava a própria vida
na sorte desses instantes
que tanto se assemelham a furtivos lírios
à chegada da noite
mas dizia: um coração é sempre um pássaro
evadido à censura da penumbra

nenhum sofrimento conseguia desfazer
as muitas exaltações que mantinha
e mesmo à beira do abismo
exibia uma facilidade talvez sem razão

quando a arte das chamas se tornou
nas cidades uma ciência ameaçada
percebemos que há muito nos falava
do interior das florestas

José Tolentino Mendonça. (2010). “Furtivos lírios”, in Baldios. Lisboa: Assírio & Alvim.

Imagem (Via Dias com Árvores) -  Vicia latyroides, ou Ervilhaca-miúda: na confluência do rio Sabor e Maçãs (Terra Quente - Trás-os-Montes).