«Pascal escreveu um dia, “notre
nature est dans le mouvement… La seule chose qui nos console de nos miseres est
le divertissement.”
(…)
A matéria-prima da imaginação de Proust foram as duas caminhadas na cidade de
Illiers, onde passava férias em família. Mais tarde, esses passeios
tornaram-se os caminhos de Méséglise e de Guermantes, em Em Busca do tempo
Perdido. O caminho dos cardos que levava ao jardim do tio tornou-se o símbolo
da inocência perdida.
“Foi
nesse caminho”, escreveu, “que vi pela primeira vez a sombra redonda das
macieiras no chão banhado de sol” e, muitos anos mais tarde, drogado com cafés
e veronal, lá se arrastava e saía do quarto escurecido para, numa rara viagem
de táxi, ir ver as macieiras em flor, de janela bem fechadas, para que o cheiro
lhe não despertasse demasiadas emoções. A evolução destinou-nos a ser
viajantes. A fixação, por qualquer período de tempo, em caverna ou em palácio,
foi condição esporádica na história do homem. A fixação prolongada segue um
eixo cronológico de cerca de dez milhares de anos, uma gota no oceano do tempo
de evolução. Somos viajantes desde que nascemos. A nossa insana obsessão pelo
avanço tecnológico é uma reacção às barreiras que encontramos na via do avanço
geográfico.
O
movimento é a melhor cura para a melancolia, como Robert Burton escreveu no seu
The Anatomy of Melancholy, “ os próprios céus giram sempre, o sol ergeu-se e
põe-se, as estrelas e os planetas mantêm rotações constantes, o ar é continuamente
impelido pelos ventos, as águas enchem-se e vazam… para nos ensinar que devemos
estar sempre em movimento.”
Todos
os pássaros e animais têm relógios biológicos regidos pela passagem dos corpos
celestes. São utilizados como cronómetros e auxiliares de navegação. Os gansos
migram seguindo as estrelas, e alguns cientistas behavoristas despertaram
finalmente para o facto de que o homem é um animal sazonal. Um vagabundo que um
dia conheci descrevia da melhor maneira a involuntária compulsão da errância:
“É como se uma maré me levasse estrada fora. Sou como a andorinha do Árctico. É
um belo pássaro branco, sabe, que voa do Pólo Norte ao Pólo Sul e vice-versa.”
(…)
Todas
as Primaveras, as tribos nómadas da Ásia sacodem a inércia do Inverno e
regressam, com a regularidade das andorinhas que voltam aos pastos de Verão. As
mulheres põem vestidos novos de algodão estampado, cheios de flores e,
literalmente, “vestem-se de Primavera”. Balançam sobre a seda, ao ritmo da
montada, e marcam o compasso da batida insistente do chocalho do camelo. Não
olham para a direita que têm pela frente – acima do horizonte. A migração da
Primavera é um ritual. Satisfaz todas as suas necessidades espirituais, e os
nómadas são manifestamente irreligiosos. A subida das montanhas é para eles o
caminho da salvação. (…)
As
viagens reais são mais efectivas, económicas e instrutivas do que as falsas.
Devíamos seguir os passos de Hesíodo e subir ao monte Hélicon para ouvir as
Musas. Elas aparecem certamente, se dermos atenção. Devíamos seguir os sábios
taoistas, Han Shan na pequena cabana da montanha Fria, a ver sucederem-se as
estações, ou o grande Li Po – “Perguntaste-me por que habito as colinas
cinzentas: sorri e não dei resposta porque os meus pensamentos ociosos erravam
a seu bel-prazer; como as flores de pessegueiro, tinham voado para outros
climas, para terras que não são do mundo dos homens.” Viajar tem de ser uma
aventura escreveu Robert Louis Stevenson, “sentir de perto as necessidades e os
obstáculos da vida; descer deste leito de penas que é a civilização, e
descobrir debaixo dos pés o globo de granito, coberto de pedras ásperas”. Os
choques são vitais. Mantêm a adrenalina a circular.»
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