Gonçalo M. Tavares, na abertura do seminário, em Serralves,
sobre as Bibliotecas, que futuro podem ter e o que podem ser fez uma brilhante
apresentação do livro, como objecto, como material de uma cultura e como
património da memória. Deixou-nos algumas ideias importantes que devemos tomar
em conta quando falamos em Bibliotecas.
As Bibliotecas poderiam ser classificadas como medíocres,
satisfatórias ou excelentes se forem respectivamente uma construção de
colecções, de serviços ou de comunidades. Este último critério é o que nos
devolve o que elas podem ser para redefinirem uma função formadora e
mobilizadora na sociedade actual. É necessário redefinir a função da
Biblioteca, pois a repetição funcional do passado transformará a Biblioteca
numa arqueologia da História.
Nesta redefinição importa verificar o que é o livro? O que
nos permite concretizar no universo das ideias? A leitura é um imenso
privilégio, pois significa que superámos as mais baixas condições da utilidade
dos dias, que já não vivemos num quotidiano de carências, de sobrevivência e de
medo. A leitura permite ter acesso a um espaço de recolhimento, para desfrutar
momentos de lazer e de conhecimento.
O que faz a grandeza do livro é a sua essência, isto é, não a leitura em si, mas a criação das imagens que ela suscita.Podíamos dizer que a leitura vale pela sua literacia. O livro é um único suporte de leitura que se basta a si próprio, pelo que só depende do leitor, do seu tempo privado, ao contrário da televisão, ou do cinema. O livro chama-nos, carece do nosso entusiasmo.
Ler é assim, acima de tudo, o momento de construção de imagens, "o levantar a cabeça", imaginado essas imagens que a leitura trouxe. A leitura, a sua essência repousa na construção dessa reflexão, nesse tempo individual. A leitura isola o leitor, permite a imobilidade, instala o silêncio e concede-nos um processo de contra-movimento contra a cidade, o grupo, o barulho, o movimento, libertando-nos do tempo. Por isso a Biblioteca, como espaço de leitura assemelha-se a uma divindade, detentora de uma energia, como a de um templo.
A Biblioteca aprimora a concentração (cujo étimo do latim quer dizer, com um
centro), promovendo o silêncio, a imobilidade e a individualização. Se a
Biblioteca desistir desta sua nobre função será outra coisa, que não um
espaço acima do tempo e do espaço, onde os seus fantasmas nos falam dos temas
eternos, o amor, a luz, a felicidade, a viagem, o outro. Deve assim a
Biblioteca encaminhar os seus leitores ou utilizadores para um património
literário e cultural que é a mais elevada forma de respeitarmos a nossa
mortalidade. É a nossa graça, num tempo de cultivar as diferenças, mostrando
estar disponível, ao tempo dos outros.
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