quinta-feira, 23 de maio de 2013

O Livro - ler e ver

Gonçalo M. Tavares, na abertura do seminário, em Serralves, sobre as Bibliotecas, que futuro podem ter e o que podem ser fez uma brilhante apresentação do livro, como objecto, como material de uma cultura e como património da memória. Deixou-nos algumas ideias importantes que devemos tomar em conta quando falamos em Bibliotecas.

As Bibliotecas poderiam ser classificadas como medíocres, satisfatórias ou excelentes se forem respectivamente uma construção de colecções, de serviços ou de comunidades. Este último critério é o que nos devolve o que elas podem ser para redefinirem uma função formadora e mobilizadora na sociedade actual. É necessário redefinir a função da Biblioteca, pois a repetição funcional do passado transformará a Biblioteca numa arqueologia da História.

Nesta redefinição importa verificar o que é o livro? O que nos permite concretizar no universo das ideias? A leitura é um imenso privilégio, pois significa que superámos as mais baixas condições da utilidade dos dias, que já não vivemos num quotidiano de carências, de sobrevivência e de medo. A leitura permite ter acesso a um espaço de recolhimento, para desfrutar momentos de lazer e de conhecimento.

O que faz a grandeza do livro é a sua essência, isto é, não a leitura em si, mas a criação das imagens que ela suscita.Podíamos dizer que a leitura vale pela sua literacia. O livro é um único suporte de leitura que se basta a si próprio, pelo que só depende do leitor, do seu tempo privado, ao contrário da televisão, ou do cinema. O livro chama-nos, carece do nosso entusiasmo.

Ler é assim, acima de tudo, o momento de construção de imagens, "o levantar a cabeça", imaginado essas imagens que a leitura trouxe. A leitura, a sua essência repousa na construção dessa reflexão, nesse tempo individual. A leitura isola o leitor, permite a imobilidade, instala o silêncio e concede-nos um processo de contra-movimento contra a cidade, o grupo, o barulho, o movimento, libertando-nos do tempo. Por isso a Biblioteca, como espaço de leitura assemelha-se a uma divindade, detentora de uma energia, como a de um templo.

A Biblioteca aprimora a concentração (cujo étimo do latim quer dizer, com um centro), promovendo o silêncio, a imobilidade e a individualização. Se a Biblioteca desistir desta sua  nobre função será outra coisa, que não um espaço acima do tempo e do espaço, onde os seus fantasmas nos falam dos temas eternos, o amor, a luz, a felicidade, a viagem, o outro. Deve assim a Biblioteca encaminhar os seus leitores ou utilizadores para um património literário e cultural que é a mais elevada forma de respeitarmos a nossa mortalidade. É a nossa graça, num tempo de cultivar as diferenças, mostrando estar disponível, ao tempo dos outros.

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