Lembro-me de uma altura em que coisas
como um magnífico céu, pássaros a chilrear, luar e flores em botão não me
teriam cativado. As coisas mudaram desde que vim para aqui. Por exemplo, uma
noite, na altura de Pentecostes, quando estava muito calor, fiz um grande
esforço para ficar acordada até ás onze e meia para poder ver bem a lua, desta
vez sozinha, para variar. Infelizmente o meu sacrifício foi em vão, uma vez que
estava muita claridade e não me podia arriscar a abrir a janela. De outra vez,
há vários meses, fui por acaso lá acima e a janela estava aberta.
Só voltei para baixo quando a forem fechar. A noite escura e chuvosa, o vento,
as nuvens a correr, tudo isto me hipnotizou; foi a primeira vez, em ano e meio,
que vi a noite cara a cara. Depois dessa noite, o meu desejo de a voltar a ver
tornou-se maior que o meu medo de assaltantes, de uma casa escura e infestada
de ratazanas ou de rusgas policiais. Descia sozinha e olhava pela janela
da cozinha ou do gabinete privado. Muitas pessoas acham a natureza bela, muitas
pessoas dormem de vez em quando debaixo de um céu estrelado, e muitas pessoas
em hospitais e prisões esperam ansiosamente o dia em que serão livres para
apreciar o que a natureza tem para oferecer.
Mas poucas estão tão isoladas como nós das alegrias da natureza, que são para
partilhar igualmente entre ricos e pobres. Não é só a minha imaginação -
olhar para o céu, as nuvens, a lua e as estrelas, faz-me realmente sentir calma
e esperançada. É um remédio muito melhor que valeriana ou brometo. A natureza
faz-me sentir humilde e pronta para enfrentar todos os golpes com coragem!
Infelizmente, excepto raras ocasiões, só posso ver a natureza através de
cortinas empoeiradas, presas sobre janelas sujas; isso tira o prazer da
observação. A natureza é a única coisa para a qual não há substituto!
(Diário de Anne Frank, 13 de Julho de 1944)
É uma história antiga e
nestes dias em que dominam os privilégios do pensamento utilitário é muito
importante lembrar sempre e em profundidade cívica, o que representou o
Holocausto e como a dignidade, a esperança, a vida foi destruída em nome de
nenhum valor. Primo Levi disse-o com clareza, "aconteceu aqui, na
Alemanha, num país com uma cultura de referência, pode voltar a
acontecer". É sobre isso, sobre o esquecimento que hoje se pratica que
importa lembrar o nascimento de Anne Frank.
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