quarta-feira, 16 de março de 2016

Compreender o génio de Einstein


Quando um pensamento percorre incessantemente o universo, quando se aventura e se perde em distâncias incomensuráveis, na infinidade dos possíveis, e se volta por um momento a fim de se fixar nas minúsculas que relas da Terra, reivindicações de fronteiras, possessões, insultos e ameaças recíprocas lançadas de um lado e do outro de uma linha imaginária, de uma cadeia montanhosa, de um rio, de um posto alfandegário, um nacionalismo estreito, mesquinho, que nos deixa paralisados, o que dizer?
Como reagir, no regresso das estrelas?
Um tal pensamento dificilmente poderá misturar-se às miseráveis lutas terrestres. Vê as pequenas coisas de demasiado longe. As estrelas não são propriedade de ninguém. (...)

 - Está guardado para quê?
 - Para trabalhar, com certeza, já lho disse. Para prosseguir com as minhas investigações. Para dar a nossa opinião sobre as opiniões dos outros, como Newton continua a fazer com as minhas.
Mas com uma má-fé total. praticamos a ciência espectral. Parece que as nossas equações, nas minhas em particular, existem segredos, tão bem escondidos que nos passaram despercebidos. Assim, andamos à procura, obstinadamente, todos juntos, juntamente com os que estão ali, na sala de espera, com os que me escrevem, com os que me telefonam.

Aquilo que nos é concedido não é grande coisa na corrente da eternidade. Uma pequeníssima vitória sobre a morte. Sobre a morte física. A ilusão de ainda estarmos vivos. E Newton, que preferiu ficar acima da discussão, deve sentir que, desta vez, os seus sobressaltos não vão prolongar-se, que está a ser usado, que já está fora da corrida, que em breve vai dissolver-se e juntar-se ao enorme grupo silencioso das sombras sem utilidade. Desta vez, sem esperança de regresso. Mal deixará quinze ou vinte linhas na história geral das ciências.
- E o senhor também? 
 - Com certeza. Apagamo-nos uns aos outros. E cada um de nós guarda no bolso algumas migalhas de todos aqueles que nos precederam.
(...)

  - O pensamento desta espécie - ínfima no universo - é necessariamente limitado a si mesmo. O pensamento das formigas exerce-se ao nível das formigas e o dos homens ao nível dos homens. Estabelece os seus próprios critérios, as suas próprias regras de verificação, e admira-se de que aquilo que observa corresponda àquilo que decretou.

A jovem disse-lhe ainda: o pensamento humano apenas tem como referência o pensamento humano. As leis que ele descobre e verifica no universo, nada nos diz que existam numa realidade absoluta e, mesmo que existam fora de nós, que sejam justas. Não passam de uma projecção de nós mesmos, só são justas para nós. Como dizem com insistência os partidários da quantidade, os realistas, é até provável que o universo não seja aquele que observamos e analisamos, ou pelo menos que não seja só isso.

Outra teoria, outros encadeamentos matemáticos e outras experiências de verificação, numa outra versão do universo, arrastar-nos-iam sem dúvida para territórios semeados de armadilhas, onde nos perderíamos. cada pensamento cria a sua própria prisão, de onde se evade pelos seus próprios meios. Ou julga evadir-se. Pois cavamos os nossos túneis de evasão e, ao mesmo tempo, avisamos os guardas. A mesma voz que faz as perguntas dá as respostas. Nem as especulações religiosas, bloqueadas desde a partida pelo dogma, nem as aventuras filosóficas temerárias, nem o virtuosismo extremo (aos nossos olhos) das verificações técnicas, nem as nossas escapadelas fantasmagóricas, ultrapassam o humano. E com razão. As nossas provas só têm valor para nós. Provavelmente, não interessam a mais ninguém, salvo como curiosidades locais. O nosso sistema sensorial, o nosso pensamento lógico e a nossa imaginação exercitada, não conseguem sair do nosso círculo.
Jean-Claude Carrière, Entrevista a Einstein. Quetzal, págs. 103, 167 e 168.

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