"Entre as frases -, no intervalo que as separa
permanece ainda hoje como num hipogeu inviolado, enchendo os intrerstícios, um
silêncio muitas vezes secular." (1)
A História das Instituições e a evolução social estão
marcados por um objecto que lê o que nos rodeia e que é por isso uma ferramenta
de análise e de assimilação de valores culturais. A importância do livro
nas sociedades históricas releva da construção da memória, da afirmação e
coesão do contexto social, mas também das suas marcas nos espaços privados, na
construção do gosto individual.
Exemplos da tentação de domesticar as ideias, pela posse de
livros censurados, a sua destruição como objecto desorganizador do quotidiano
não faltam. Eles revelam a importância da memória nas sociedades humanas.
O livro empresta aos seus utilizadores uma desafiadora noção
de individualidade, capaz de fazer criar a dúvida, a inquietação e é por isso
que alguns no extremo acreditaram que queimar o livro, é destruir as palavras e
a as ideias que nele vivem. Acreditaram infantilmente que o passado podia ser
mais que apagado, reescrito. O livro tem pois um valor significativo, mas
também simbólico. Ele empresta ao quotidiano aspectos organizativos, concedeu
valoração a muitas representações culturais e certificou ideias emergentes e
causas.
O livro revela-se como objecto e ferramenta de um
quotidiano, onde o leitor constrói a escrita do livro.
António Lobo Antunes costuma dizer que depois de escrito, o
livro é do leitor. As diversas leituras dão ao livro significados diferentes no
tempo e no espaço. Leituras do próprio autor, em função de contextos
diferenciados, onde a leitura pública ofereceu respostas à formação de leitores
e às dúvidas do autor. Compreender o acto criativo pelas palavras é ainda
hoje um mistério e o verdadeiro desafio para comparar o diálogo entre a voz do
escritor e a a voz do texto.
Leitura e assimilação que foi feita de modo diverso e que as
portas da leitura realizaram ao alimentarem mundos particulares.
Que dimensão têm as nossas memórias? Participamos delas, ou
elas são episódios que nos chegam por outros e assim nós somos construção da
sua memória. Uma História que relacione as mentalidades e os quadros
mentais com a vida vivida e a oferecida pelos livros é algo que está ainda
timidamente feito.
A análise dos personagens dos livros reflecte esta distinção
na sociedade e é um dos aspectos simbólicos do livro. O seu leitor.
Ele é também o criador de uma conversação consigo próprio,
mas também com o mundo. A memória conserva a dimensão de construção humana no
espaço e no tempo, permite ensaiar novas formas de reconstruir a humanidade e o
seu património.
As memórias da leitura são em parte o testemunho dos
momentos que por elas vivemos no real.
(1) - (Marcel Proust, O Prazer da Leitura)
Imagem: Copyright - "Dans la Bibliothèque" (1872) - Auguste Toulmouche (século XIX)
Imagem: Copyright - "Dans la Bibliothèque" (1872) - Auguste Toulmouche (século XIX)
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