Éramos gémeas. Crianças espelho. Tudo em
meu redor se dividiu por metade com a morte. (...)
E eu acreditei candidamente que, de
verdade, a plantaram para que germinasse de novo. Poderia ser que brotasse dali
uma árvore rara para o nosso canto abandonado nos fiordes. Podia ser que desse
flor. Que desse fruto. (...)
Achei que a morte seria igual à
imaginação, entre o encantado e o terrível, cheia de brilhos e susto, feita de
ser ao acaso. Pensei que a morte era feita ao acaso. (...)
Nos meus sonhos imaginava jardins de
crianças. As árvores baixas dos corpos, falando, brincando com os braços e os
pássaros pousando entre as folhas. Os braços deitavam folhas e seguravam ninhos
nas mãos e as crianças eram sempre pequenas, animadas de ingenuidade, gratas
pela vida sem saberem outra coisa que não a vida. E sonhava que as pessoas
japonesas vinham ao jardim contemplar, e deitavam água de regadores coloridos
que lavavam os pés-raízes das crianças-bonsai.
...Chamávamos-lhe deus ou Islândia sem ter como atribuir a cada nome um significado. As palavras eram inúteis para abordar algo que estava proibido à pequenez humana. Qualquer nome não passava de uma blasfémia, como qualquer ideia que quiséssemos guardar segura acerca da grandeza infinita de deus, da Islândia ou da morte. Somos imprudentes ao arriscar conversar acerca destas coisas, confessava eu. Descobrir o nome e o significado de deus não compete a ninguém. Deve dar-nos medo a necessidade de o entender. Deve dar-nos medo a necessidade de entender deus. Ele é o desconhecido, se por ventura se der a conhecer então é uma falsidade. (...)
O
meu pai também dizia que a Islândia era deus e era a beleza de deus. (...)
Talvez não entendamos o que é belo neste preciso momento. Podemos estar
absolutamente enganados acerca de tudo quanto gostamos.
Valter Hugo Mãe.
(2016). A Dezumanização. Porto : Porto Editora, páginas 11, 37 e 41.
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