"A
beleza é o rosto mais jubiloso da verdade. Não da própria verdade, mas do seu
rosto". (1)
Os dias são
muitas vezes tão sucessivamente rápidos que muitas memórias nos escapam. O
tempo torna-se reduzido para inscrever no íntimo tantas vozes que tentaram
connosco dar aos dias uma cor própria, um sentido vivido de consistência e
beleza. António Manuel Pina desapareceu fisicamente a dezanove de Outubro de
dois mil e doze. É uma voz que vale a pena recuperar. Pela poesia, pelas
crónicas, que nele eram uma arte de desmontar o essencial e pela prosa.
António
Manuel Pina foi um homem que buscou nas palavras uma tentativa de fazer
compreender a nossa natureza efémera. Foi daqueles que vindo das terras do
Mondego, dos contrafortes da Estrela se fez e se encontrou na cidade do Porto,
como forma de desenhar na natureza agreste das pedras, o seu caminho de combustão
de sonhos, no veludo das encostas de granito.
António
Manuel Pina tinha uma paixão pelo Winnie the Pooh. Olhava para a literatura
infantil como a possibilidade de reencontrar o olhar inicial, o que está pronto
para a linguagem do mundo, ainda sem o conhecer. Revelou uma curiosidade para
traçar pela poesia as grandes questões filosóficas de sempre inerentes à
natureza humana e descobriu na solidão a possibilidade de erguer sonhos.
Reflectiu
sobre a sociedade em que viveu com liberdade, com inteligência e com
criatividade. Deu-nos no JN um conjunto de crónicas sobre esse real que se
sonha e que não se compreende pela ausência de uma real cidadania. Desse real,
em que instituições e media, precariamente percebem o significado do velho
ideal grego, "Libertas, Humanitas, Felicitas".
Foi um
cronista que ousou utilizar as palavras para discutir "as verdades"
que o establishent político gosta de enumerar como os pilares do universo, por
onde interesses privados se alimentam da destruição mais básica dos valores de
dignidade de tantos. Manuel António Pina foi um prosador e com as palavras
procurou exercer a liberdade que nos falta, a que tem uma dimensão moral.
E foi um
poeta. Um poeta que nos descreveu como nos orientamos com os mitos, como
respiramos o real, entre os lugares e as suas sombras, por onde tentamos
reconhecer os gestos. Nunca nos recompomos da partida dos poetas, pois o timbre
da voz é irrecuperável, mesmo que a memória e as palavras queiram colaborar
nessa luta à partida perdida, de guardar o sorriso no templo desse "dragão
feroz" (2) que é o próprio tempo.
(1) Entrevista a Manuel António
Pina, in Jornal i, 18/02/21012
(2) Ana Maria Matute, Paraíso
Inabitado
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