«Os
meus livros são, afinal, ou só isso, a oportunidade de milhões de almas, únicas
todas elas, almas de sapinhos cheios de importância de viver. [...] Uns partem
um pouco depois de dizerem bom dia, outros ficam até morrer. Todos se continuam
naquilo que têm de profundamente entre si – a vocação para serem sós, porém
aceites por cada um dos outros. Porque a solidão que me acusam de impor aos
meus personagens, como uma grilheta, é apenas a sua individualidade biológica,
a exclusividade, a reivindicação superior da sua própria luta. Um homem jamais
corresponde a outro homem; as suas reacções e conclusões não equivalem a
vivência de outra alma, a experiência doutro eu. O mistério da vida cumpre-se
em cada homem de uma forma única.» (1)
Retemos
dela uma ideia de uma luz de quem caminhou ao contrário, da maturidade para a
infância, de quem nos ensinou que a vida é demasiado importante para ser levada
a sério e que por isso nada mais difícil do que o gesto grave, a dureza do
caminho, para os que procuram um lugar de felicidade, de conquista de
individualidade. Por isso as fórmulas rápidas e fáceis são inexpressivas de
qualquer verdade, pois em cada ser há uma respiração diferente.
Nas
suas obras, as mulheres de diferentes gerações revelam essa aspiração de
humanidade, que condensam o que viveram, o que sonharam, em luta com o real sem
se saber se se ousou o suficiente, se a afirmação foi suficiente para chegar a
esse momento quase final em algo que se compreendeu.
É
uma das grandes figuras da cultura portuguesa deste século. Pela escrita, pelos
temas, pelo humor e por aquele sorriso de quem já parece ter percebido o
sentido das coisas e por isso sorri para o horizonte, como a criança acabada de
nascer.
Chama-se Agustina Bessa-Luís e faz hoje noventa e dois anos. Deixamos
um excerto do final desse grande livro, Sibila:
«É
esta a mais grandiosa história dos homens, a de tudo o que estremece, sonha,
espera e tenta, sob a carapaça da sua consciência, sob a pele, sob os nervos,
sob os dias felizes e monótonos, os desejos concretos, a banalidade que escorre
das suas vidas, os seus crimes e as suas redenções, as suas vítimas e os seus
algozes, a concordância dos seus sentidos com a sua moral. Tudo o que vivemos
nos faz inimigos, estranhos, incapazes de fraternidade. Mas o que fica
irrealizado, sombrio, vencido, dentro da alma mais mesquinha e apagada, é o
bastante para irmanar esta semente humana cujos triunfos mais maravilhosos
jamais se igualam com o que, em nós mesmos, ficará para sempre renúncia,
desespero e vaga vibração. O mais veemente dos vencedores e o mendigo que se
apoia num raio de sol para viver um dia mais, equivalem-se, não como valores de
aptidões ou de razão, não talvez como sentido metafísico ou direito abstracto,
mas pelo que em si é a atormentada continuidade do homem, o que, sem impulso,
fica sob o coração, quase esperança sem nome.» (2)
(1);(2)
- Agustina Bessa-Luís, in Revista "Lusíada", Porto, Outubro - 1955;
Sibila
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