"O
avô comprou um pequeno barco de fundo chato para remar através dos
campo inundados quando a estação das chuvas chegasse. Disse que era uma
maneira agradável de escapar à azáfama da avó. Kati e o avô saíam
sozinhos no barco. Partiam ao fim da manhã, o avô a remar com todo o
vagar, percorrendo o canal e contemplando as árvores de fruto que
cresciam ao longo das margens: mangueiras e jamboeiros misturados com
casuarinas que se davam bem à beira da água.
O
avô não parava para descansar, mas cumprimentava todas as pessoas que
via. O tio Sohn estava a içar a rede do cais diante de sua casa e
parecia que fizera uma boa apanha de peixe tapean. O avô prometeu
que, no regresso a casa, parariam ali para comprar alguns a fim de que a
avó os marinasse em molho de anchovas para o jantar de Kati.
O
barquinho afastou-se da sombra protectora da margem e dirigiu-se ao
campo aberto que parecia estender-se a toda a largura e profundidade
que a vista alcançava. A esteira de água que deixavam atrás de si era
encrespada por uma leve brisa e, ao longe, os arrozais cintilavam dum
verde garrido. O avô deixou o barco ir à deriva até ao meio do campo e
começou a colher caules de lírios. ERra preciso estar com todo o cuidado
para ter a certeza de que colhia lírios pun e não lírios peuan, que tinham um sabor amargo.
Os lírios pun
tinham flores amarelo-vivas e folhas arredondadas sem veios. Os seus
caules frescos e estaladiços eram deliciosos quando saboreados com o
molho de chili picante com que a avó recheara as folhas de lírios
acompanhadas com arroz recém-colhido para o almoço de ambos. Kati
entretinha-se a despedaçar os caules dos lírios aos bocadinhos e a
tornar a juntá-los num colar. Às vezes viu um aglomerado de krajup. Preferia-os às castanhas-de-água e o avô amontova-os no fundo do barco para os levarem e comerem cozidos.
Depois
havia ainda os jacintos-de-água com as suas frágeis flores
púrpura-pálidas. Se as segurássemos nas mãos, era um ápice enquanto
murchavam. As campainhas brancas também eram bonitas. O avô dissera-lhe
que artistas como Monet eram capazes de as pintar na tela tão bonitas
como ao vivo.
O
avô remava tranquilamente, sem se preocupar com a hora a que saíra de
casa, aonde teria de ir a seguir nem quando teria de regressar. Dissera
que não estavam a fazer uma excursão sujeita aos ditames dos horários
dos comboios. Estavam a fazer uma excursão sujeita aos ditames dos seus
corações.
O
barco de fundo chato com as suas tábuas robustas dava um excelente meio
de transporte. Não poluía o ambiente e rasgava as águas límpidas
segundo a cadência do remador. Se remasse em direcção a um bando de
alfaiates, estes insectos fugiam desvairados, dando azo ao caos. O avô e
Kati dispensavam palavras. Ao invés, deixavam que o pequeno barco e a
água se cumprimentassem. O Sol parecia muito longínquo no céu, pese
embora os seus raios fossem agora fortes.
à
sua volta, porém, a água cobria completamente o arrozal, exercendo um
efeito refrescante que afastava o calor. Dava a sensação de que o tempo
se imobilizara. A água e o céu, o vento e sol enquadravam uma imagem no
centro da qual flutuava o barquinho. Todavia, nenhum barco é capaz de
avançar indefinidamente sem acabar por chegar ao seu destino, por muito
encantadora que a viagem seja.
A felicidade de Kati / Jane Vejjajiva. Barcarena: Editorial Presença, 2011.
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