terça-feira, 28 de abril de 2020

Minutos de leitura (VII)

"O avô comprou um pequeno barco de fundo chato para remar através dos campo inundados quando a estação das chuvas chegasse. Disse que era uma maneira agradável de escapar à azáfama da avó. Kati e o avô saíam sozinhos no barco. Partiam ao fim da manhã, o avô  a remar com todo o vagar, percorrendo o canal e contemplando as árvores de fruto que cresciam ao longo das margens: mangueiras e jamboeiros misturados com casuarinas que se davam bem à beira da água. 

O avô não parava para descansar, mas cumprimentava todas as pessoas que via. O tio Sohn estava a içar a rede do cais diante de sua casa e parecia que fizera uma boa apanha de peixe tapean. O avô prometeu que, no regresso a casa, parariam ali para comprar alguns a fim de que a avó os marinasse em molho de anchovas para o jantar de Kati.
O barquinho afastou-se da sombra protectora da margem e dirigiu-se ao campo aberto que parecia estender-se a toda a  largura e profundidade que a vista alcançava. A esteira de água que deixavam atrás de si era encrespada por uma leve brisa e, ao longe, os arrozais cintilavam dum verde garrido. O avô deixou o barco ir à deriva até ao meio do campo e começou a colher caules de lírios. ERra preciso estar com todo o cuidado para ter a certeza de que colhia lírios pun e não lírios peuan, que tinham um sabor amargo. 
Os lírios  pun tinham flores amarelo-vivas e folhas arredondadas sem veios. Os seus caules frescos e estaladiços eram deliciosos quando saboreados com o molho de chili picante com que a avó  recheara as folhas de lírios acompanhadas com arroz recém-colhido para o almoço de ambos. Kati entretinha-se a despedaçar os caules dos lírios aos bocadinhos e a tornar a juntá-los num colar. Às vezes viu um aglomerado de krajup. Preferia-os às castanhas-de-água e o avô amontova-os no fundo do barco para os levarem e comerem cozidos.
Depois havia ainda os jacintos-de-água com as suas frágeis flores púrpura-pálidas. Se as segurássemos nas mãos, era um ápice enquanto murchavam. As campainhas brancas também eram bonitas. O avô dissera-lhe que artistas como Monet eram capazes de as pintar na tela tão bonitas como ao vivo.
O avô remava tranquilamente, sem se preocupar com a hora a que saíra de casa, aonde teria de ir a seguir nem quando teria de regressar. Dissera que não estavam a fazer uma excursão sujeita aos ditames dos horários dos comboios. Estavam a fazer uma excursão sujeita aos ditames dos seus corações.
O barco de fundo chato com as suas tábuas robustas dava um excelente meio de transporte. Não poluía o ambiente e rasgava as águas límpidas segundo a cadência do remador. Se remasse em direcção a um bando de alfaiates, estes insectos fugiam desvairados, dando azo ao caos. O avô e Kati dispensavam palavras. Ao invés, deixavam que o pequeno barco e a água se cumprimentassem. O Sol parecia muito longínquo no céu, pese embora os seus raios fossem agora fortes. 
à sua volta, porém, a água cobria completamente o arrozal, exercendo um efeito refrescante que afastava o calor. Dava a sensação de que o tempo se imobilizara. A água e o céu, o vento e sol enquadravam uma imagem no centro da qual flutuava o barquinho. Todavia, nenhum barco é capaz de avançar indefinidamente sem acabar por chegar ao seu destino, por muito encantadora que a viagem seja.

A felicidade de Kati / Jane Vejjajiva. Barcarena: Editorial Presença, 2011. 

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