"Por
outras palavras, não melhoro, ou, indo mais longe, quem foi vadio é sempre
vadio. Receio que a doença seja incurável. Menciono este assunto, não para
ensinar os outros, mas para me informar a mim mesmo". (pág. 13)
Viagens
com o Charley é um livro de John Steinbeck, publicado em 1962, nas vésperas de
ele receber o Prémio Nobel da Literatura e que recentemente foi editado pelos
livros do Brasil. Trata-se de um livro delicioso, uma daquelas obras raras que
consegue ser uma conversação com o leitor. Escrito com grande honestidade, o
livro funciona como uma leitura de um País, a
América no início dos anos
sessenta e a revelação mais íntima de uma história de vida, de um conjunto de
memórias e de um património cultural. Lendo-o, conhece-se melhor John
Steinbeck, a sua personalidade, as suas opções de vida e os seus valores
humanos.
A
América de Steinbeck, aquela que ele nos dá é ainda uma América que não conhece
ainda as contradições que o final da década acentuará, mas há já uma
visibilidade das transformações de uma sociedade em mudança. O valor do livro
passa por essa capacidade de revelação da América, mas também pela percepção da
mudança. Com grandes descrições do natural, das paisagens de um conjunto
alargado de estados, Viagens com o Charley é um convite para conhecer um
escritor que faz da terra, das condições de vida e do património da América a
matéria-prima da sua escrita.
Com
Steinbeck e Viagens com o Charley compreendemos
como o particular pode ter uma dimensão universal. A escrita do autor
nascido em Salinas tem em Viagens com o Charley um momento mais, de grande
valor literário e cultural, pela descoberta que ele nos revela de uma América e
para a compreensão dos seus valores mais característicos, no início de uma
década, que em muitos sentidos mudaria o mundo.
Escrito
numa linguagem dominada pelo humor e por algum cepticismo, Viagens com o Charley
acaba sendo uma reflexão crítica sobre a América, a sua história, as suas
paisagens humanas. Nele vemos já a discussão do que tem feito o mundo caminhar
por linhas preocupantes de abandono do seu património natural. Viagens com o
Charley em muitos aspectos é um alerta profético, uma campainha a tocar sobre a
ideia que a mudança em si nem sempre serve o homem e a sua felicidade.
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