sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A palavra e o mundo - Viagens com Charley (II)

As cidades americanas são como buracos de texugo, rodeadas, todas elas, de rebotalho, cercadas por pilhas de automóveis destruídos e a enferrujar, e quase asfixiadas em refugo. Tudo quanto usamos vem em caixas, caixinhas e caixotes, as chamadas embalagens de que tanto gostamos. Os montes de coisas que deitamos fora são muito maiores do que as coisas que usamos.

Nisto, se não for por outro meio, podemos ver a exuberância desenfreada e perdulária da nossa produção, e o desperdício parece ser o seu índice. Seguindo o meu caminho, pensava como em França e na Itália cada uma destas coisas deitadas fora seria guardada e aproveitada para algo. Isto não é dito como crítica de um sistema ou de outro, mas pergunto a mim mesmo se não virá o tempo em que já não possamos permitir-nos o nosso desperdício – desperdícios químicos nos rios, desperdícios de metais por toda a parte, e desperdícios atómicos profundamente sepultados na terra ou afundados no mar. Quando uma aldeia índia ficava demasiado enterrada na sua própria imundície, os habitantes mudavam de lugar. Mas nós não temos lugar para onde mudar. (…)

O meu caminho seguiu para o Norte, pelo Vermont, e depois para o Leste, pelo New Hampshire, pelas montanhas Brancas. Os lugares à beira da estrada estavam cheios de abóboras-morangas douradas, de abóboras castanho-avermelhadas, e de cestos de maças vermelhas tão quebradiças e docas que pareciam explodir em sumo quando as mordia. Comprei maçãs e um garrafão de um galão de sidra recentemente espremida. Creio que toda a gente ao longo das estradas vende mocassins e luvas de camurça.

E também não há quem não venda doces de leite de cabra. Não vira até antão armazéns de venda direta das fábricas em pleno campo, vendendo calçado e roupas. Suponho que as aldeias são as mais bonitas de todo o país, limpas e pintadas de branco, e, não contando com os motéis e acampamentos turísticos, imutáveis há cem anos, exceto quanto ao trânsito e às ruas pavimentadas.

O clima mudou rapidamente para frio e as árvores rebentaram em cor, com vermelhos e amarelos que não podem imaginar-se. Não é apenas cor, mas um brilho, como se as folhas engolissem a luz do Sol de outono e a libertassem depois lentamente. Há uma quantidade de fogos nestas cores. Fui subindo as montanhas, tendo chegado muito acima antes do crepúsculo.

John Steinbeck. (2016). Viagens com o Charley. Lisboa: Livros do Barasil, págs 33 e 34.
Imagem: Vermont, (último estado a nordeste que faz fronteira com o Alasca).

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