Manuscrito revisto
pelo seu autor em apenas algumas das suas páginas, Eça de Queiroz deu-nos em A
cidade e as serras, um livro marcante da literatura contemporânea. Ele
revela-nos a universalidade de Eça e desmistifica algumas das ideias feitas
sobre o autor de Os Maias.
Formado em Direito,
integrando uma carreira diplomática por diferentes países, compreendeu de uma
forma profunda o que era substancialmente Portugal. Soube compreender a
ondulação que fazia a onda maior, dando-nos páginas de análise dos costumes,
dos hábitos e das instituições e de como estas formavam um País adiado de si
próprio. Em As cidades e as serras, Eça dá-nos descrições naturalistas de
grande significado, revelando-nos ter sido mais do que um crítico de costumes.
Aqui revemos uma terra, uma cultura e uma memória em diálogo consigo própria.
A cidade e as serras
propõe-nos um diálogo puramente atual que é o do Homem, o sentido que a sua
vida poderá ter. Diálogo entre uma sociedade urbana, feita de conforto, onde a
civilização se assume como um repositório de inovações técnicas e uma sociedade
em comunhão com a Natureza. Diálogo entre a cidade, domínio de uma grandeza
técnica, mas afastada do coração do Homem, da sua harmonia, pois é nela que a
liberdade moral se perde e um campo que sublima os sentimentos humanos de uma
forma genuína.
Era na cidade, que
Jacinto no seu palácio de conforto e civilização vivia um mundo que o
aborrecia. A cidade parece pois incapaz de conceber a felicidade humana - entre
a dependência das modas, a pobreza dos rendimentos do trabalho e os rituais
esquecidos. A cidade produtora de uma imensa indiferença, a maçada da vida. Com
o campo Jacinto e nós descobrimos a natureza, a serra, uma das suas formas
sublimes e nela um outro sentido para a vida - a comunhão com o Universo. A
unicidade do Universo em formas múltiplas, leva-nos a compreender o homem, os
animais, as plantas e os minerais.
É pois na Natureza
que se descobre a diferença, o movimento animado de uma vontade que se expressa
em formas de uma beleza rara. A que é feita de contemplação e de um silêncio
que absorve a luz leve entre as folhas, onde nenhum pensamento outorga uma imanente
felicidade. A cidade e as serras acaba por ser um manifesto naturalista,
desenhando com um século de antecedência, "o mal" da cidade encerrada
em si e nas ligações à exploração individual. Eça dá-nos já o que será a
desumanização das relações sociais que na cidade se evidenciam.
É assim um livro de
uma grande beleza, pelas suas descrições do Douro, das relações sociais no
Portugal de oitocentos, do enquadramento temporal e pela oferta de uma
possibilidade, que a cada dia mais carecemos. A Natureza como forma e expressão
de satisfação e de encontro, com o mais importante - a beleza. É nela que
desenhamos com harmonia a nossa respiração e a graça que nos envolve. É na
Natureza que descobrimos o melhor de nós, as janelas que fazem nascer o sol com
todas as possibilidades.
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