O
século XIX fundou uma cidade nova. O século XX estabeleceu-a como um espaço de
viagem, de evasão, a montra de mercadorias, a confluência de pessoas e grupos.
Dentro dela nasceu a ideia de uma viagem, o recorte da imaginação para
alimentar um sonho, aquilo que o real não pode fornecer. Fernando Pessoa fez
infinitos passeios na Baixa Pombalina a alimentar um sonho, a criar mundos não
existentes, a tentar ser algo de “substantivamente moderno”, na expressão de
Rimbaud.
Se o
século XIX enaltecia o campo, o século XX é a confirmação da cidade, os seus
espaços a produzir uma viagem que podia ser física ou mental. A viagem física
na cidade proporciona a descoberta de espaços, de lugares, de experiências. A
cidade vive da mobilidade, mas pode também ser imóvel, parada nos seus
artefactos. Nestes, os motivos de descoberta, a procura para registar vidas não
narradas é muito evidente. Há na cidade uma deambulação, a que Baudelaire
chamou “flânerie”, que permite uma procura, entre o m ais fugaz e alguma
perenidade.
A
cidade pode tornar-se numa paisagem feita de multidões, de solidão, de sombras
e de melancolia, como o sentiu Cesário Verde, em “O sentimento de um ocidental”.
Ela, a cidade pode ser também uma geografia de irreal, como o disse T.S. Eliot,
“a cidade irreal / sob o nevoeiro castanho de uma madrugada de Inverno”. A
cidade emerge assim como uma personagem entre o real e o sonho. Em diferentes
latitudes, a cidade surgirá no século XX como uma grande metrópole, onde uma
atmosfera definirá grandeza e misérias humanas, ruínas e sonho, imaginário do
fantasmagórico.
Virginia
Woolf viu na Londres dos anos vinte, do século XX “um poema”, “uma história”
que se revelava nos seus passeios pelas suas ruas e espaços. A cidade e Londres
em particular foi para a autora de “As Ondas”, uma personagem essencial da
narrativa literária. O que “Mrs. Dalloway” nos revela é essa deambulação na
cidade, o reconhecimento de ruas, a sua toponímia, a sua atmosfera, onde
circulam personagens de diferentes tempos que se inscrevem como uma intimidade.
A cidade como elemento formador de uma memória, onde circulam os espaços
afectivos de diferentes pessoas, onde cada um se defronta com um mundo interior
inacessível e um exterior, capaz de construir uma evasão no tempo. A cidade
integra-se num movimento social e cultural e faz das suas ruas, dos seus
edifícios um construtor de vivências. Estas manifestam-se entre a multidão que
habita um urbanismo explosivo de verticalidade, espaços concentrados de um
efémero, por onde a fantasmagoria se insinua de um modo persistente.
A
atmosfera de fantasmagoria apreende-se na iluminação pública, ainda a criar
atmosferas de imprecisão, de indefinível, ou dessa junção de real e visionário,
um esatdo preparatório de um pensamento. A cidade formula uma atmosfera, onde
estruturas físicas parecem dotadas para uma certa forma de viagem que se realiza
na descoberta de objectos e onde eles próprios são indutores da ideia de
evasão. Mas também s´~ao instrumentos de um registo, como o lápis ou os livros
de uma livraria antiga. Viagem em si por aquilo que ela desvenda, pela
recuperação de um tempo que se perdeu e a sua integração no presente, no
quotidiano que se vive.
Viagem
que edifica um pequeno momento de eternidade, quando essas relíquias se erguem
para nós.
Imagem, London, The Terrace, House of Parliament, 1929.
Imagem, London, The Terrace, House of Parliament, 1929.
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