"Transporta-me,
vagão! conduz-me tu, fragata!
Pra longe! aqui a
lama são os nossos choros." (1)
Charles
Baudelaire nasceu em Paris, em 1821. Desde a infância sentiu o lar como um
sítio estranho. Andou de colégio interno em colégio interno e sucessivamente
expulso por mau comportamento. Como adulto, quando já tinha crescido não
encontrou um lugar para si na sociedade burguesa de Oitocentos em França. Viveu
com um sentido de solidão, uma existência desalinhada que o conduziu para uma
ideia de viagem. Viu-a como um convite permanente.
Na
viagem encontrou uma forma de ordem e beleza. Teve algumas experiências de
viagens menos conseguidas, mas ficou sempre nele essa ideia que expressa em
Spleen, "as nuvens, as nuvens". Para Baudelaire o importante não era
o destino a realizar numa viagem. A verdadeira grandeza da viagem era partir,
era ir embora e dizia-o enfaticamente: "Qualquer sítio! Qualquer sítio!
Contando que seja fora deste mundo!"
Baudelaire
definiu-se assim ele próprio como um "poeta" inquieto, afirmando nas viagens contínuas
capazes de dar um sentido na vida, onde a família e os outros pouco lhe diziam.
Desenvolveu um gosto muito particular por portos, estações de comboios ou
docas, nessa ideia de que esses locais eram mais a sua habitação, tal como os
hotéis do que o seu ambiente doméstico. Baudelaire soube criar uma poesia que
dava uma expressão de beleza aos lugares de passagem, aos meios de transporte
do século XIX. Elliot disse dele que tinha inventado "a poesia das
partidas, a poesia das salas de espera."
Numa
das suas visitas a sua mãe escreverá "Estes grandes e belos navios que
oscilam imperceptivelmente nas águas tranquilas, estes sólidos navios, de ar
sonhador e ocioso, não parecem murmurar-nos na sua linguagem de silêncio:
Quando partiremos rumo À felicidade?» Para Baudelaire a partida alimentava o
seu sonho, mas ele também era feito de uma mecânica de movimento, no caso dos
transatlânticos. Pensava essas grandes embarcações como uma "grande
imensa, complicada, mas ágil criatura, um animal inoculado pelo espírito, que
sofre e alimenta todas as nostalgias e ambições da humanidade".
As
nuvens e essa declaração de amor por elas no Spleen, "- amo as nuvens...
as nuvens que passam... ao longe... a maravilha das nuvens!" Baudelaire
via nelas o refúgio do mundo, de cidades decadentes como Paris, desse sítio
onde terrores e lutos se fixam, obrigações e formalidades vãs se definem. A sua
expressão "Pra longe! aqui a lama são os nossos choros!" é a
construção de uma poética do lugar, da imaginação contínua da viagem, apenas
por si, de fuga a um sentido de Ideal incapaz de se viver na cidade, justamente
o Spleen.
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