Pirilampo
é outra palavra musical. Lampos eram o figos. Assim uma espécie de
gulosos, pensava, ignorante então da explicação das palavras que
brilham.
Os
pirilampos eram a visão viva do mistério e, quem sabe, talvez, a ponte
para o reino de fadas - e, por arrasto, de bruxas e duendes.
"Praga maldita!", desabafa a mãe, pouco dada a dar voz a extremos expressivos.
"Essa cambada!", dizia o pai, em enigmas criados por elipses. "Havia de ser comigo! É tudo a mesma seita! Fecham os olhos..."
A
cambada, sabia-o por ter ouvido outras conversas, as dos momentos
calmos - raras, verdade, seja dita - eram os vizinhos que, contra as
ordens da Junta de Freguesia, mantinham porcos e palheiros dentro do
povo. Ninhos de moscas. A mãe, era contra elas que vociferava.
Enxotava-as da cozinha. Eles cansavam-se do cansaço de vítimas, de
picadas e comichões sem tréguas. Às vezes o jogo era exterminá-las, mas
eram sempre vencidos pelo número e pela monotonia. Na loja não as havia.
Porque era escuro? Porque era fresco mesmo no pino do Verão? E o que
faziam eles no escuro? Fantasias imóveis, apenas - vencidas por minutos
que pareciam horas.
A
loja não era a loja, pois não se vendia lá nada. As galinhas, os
coelhos e o porco tinham sido transferidos para a Horta quando os avós
cumpriram as ordens de combate ao mosquedo - as que os vizinhos
ignoraram, a criar troças e arrelias conformadas.
A recompensa era um segredo dela, quando a avó ia, caída a noite, "acomodar o vivo".
Eram
passos lampeiros saltitados, agarrada à asa do caldeiro ou à ponta do
avental, ou em silogismos com a sabedoria do irmão, antecipava as visões
fugidias, prémio ignorado dos outros, mas nem por isso menor, daquela
mudança de morada: quando entrava no telheiro da horta, conquistava uma
dimensão céptica à medida que no seu peito se acendiam as luzinhas do
susto que se espera, da alegria que a mordia por lhe acertar na
expectativa no segundo que a precedia de ser alvo.
Ficavam
quietos até eles desapareceram. A avó alheia à alegria contida deles,
absorta nos seus afazeres, a falar às galinhas. E eles à coca. Ela,
invisível o que lhe ia na alma, derretia-se de riso só dela a cada
piscar descoberto dos vaga-lumes.
Pirilampo podia ser um guloso de luz - mas eram os olhos da noite. E o brilho dela.."
Orca Terra / Rosa Salvado Mesquita; il. Júlia Cartaxo. Castro Verde: 1oo Luz, 2011
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