"Sol
e azul e depois névoa. Às vezes começa em Agosto, outras em Setembro.
Uma barra ao longe anuncia-a, uma barra que cresce em fumarada sobre a
terra, ou que se dispersa correndo para o sul, em labaredas sobre o mar
esverdeado. Há outras névoas no Verão que se descerram lentamente como
cortinas, ficando o panorama límpido como uma aguarela acabada de
pintar. Outras têm léguas de extensão e levam dias a passar. E o mar
exala um cheiro mais vivo quando o nevoeiro parece dissolver-se, para
logo voltar mais denso e compacto. Às vezes, vê-se entre a neblina um
ponto da costa cheio de luz, um rasgão no mar, uma única pedra iluminada
entre o céu infinito e o mar infinito.
Tenho
visto também umas névoas esbranquiçadas que ficam lá par muito fundo
embebendo-se de luz. Névoa, um pouco de sol e brancura, tudo embrulhado.
A onda vem de longe, irrompe da névoa, e só se vêem os grandes rolos
brancos revolvidos de espuma muito ao perto quando se despedaçam. Em
Sagres assisti a um nevoeiro extraordinário. Aparecem primeiro uns
flocos no céu, e a luz tornou-se logo mais azul, pegando a zul à pele,
molhando de azul as mãos estendidas. Depois a névoa, que no Verão dura
segundos, doirou e subiu ao ar, tornando o horizonte mais ilimitado e
fantasmagórico...
As
névoas anunciam o Inverno. Começam a vir os nevoeiros compactos, que se
metem pelas narinas e cheiram a mar e a fumo. Há-os que têm léguas de
espessura e levam dias a passar, cortes desordenados de fantasmas
enchendo todo o horizonte. O sino tange. Não se vê palmo adiante do
nariz. Lá fora os barcos, como cegos, só se guiam pelo som. O mar é um
misterioso fantasma que os envolve. Cerração cada vez mais mole e
espessa...
Só
a voz se ouve, e o lamento parece vir de longe e de mais fundo. Às
vezes adelgaça-se um pouco na costa, e grandes rolos de fumaceira
crescem do mar sobre a terra. É o Inverno que vem aí. A voz imensa tem
já plangências de dor - desabar infinito de lágrimas. De sul para o
norte as nuvens correm sempre, cortes sobre cortes que saem das
profundas e avançam, deslizam sobre as águas sem ruído, enchendo o céu
de farrapos enormes, de fantasmas criados naquele mar salgado e que se
seguem em tropel num galope monstruoso para uma grande batalha
desconhecida. E de quando em quando o sino chama, chama sempre pelos
homens perdidos na névoa espessa que leva dias a passar.
Os Pescadores / Raul Brandão. Porto: Porto Editora, 2010
Imagem: Copyright - Elena Gabbasova
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