O caracol que desejava conhecer os motivos da lentidão também não
possuía um nome e isso causava-lhe uma grande preocupação. Parecia-lhe injusto
não ter um nome, e quando algum dos caracóis mais velhos lhe perguntava
porque o queria, igualmente sem erguer a voz, respondia:
-
Porque o calicanto se chama assim, calicanto, e por isso quando chove,
por exemplo, dizemos que nos vamos refugiar sob as folhas do calicanto.
Também o saboroso dente-de-leão se chama assim, dente-de-leão, e, por
isso, quando dizemos que vamos comer umas folhas de dente-de-leão, já
não comemos urtigas por engano.
Mas
os argumentos do caracol que desejava conhecer os motivos da lentidão
não despertavam grande interesse nos outros caracóis. Entre eles
murmuravam que as coisas estavam bem assim, que bastava saber o nome do
calicanto, do dente-de-leão, do esquilo e da gralha, do prado a que
chamavam País do Dente-de-Leão, e que não precisavam de mais nada para
serem felizes sendo como eram, caracóis lentos e silenciosos, decididos a
conservar a humidade dos seus corpos e a engordar para suportar o longo
inverno. (...)
Decidiu
o caracol perguntar ao mocho os motivos da lentidão e lentamente, muito
lentamente, dirigiu-se à mais antiga das faias. Saiu da proteção das
folhas de calicanto quando o orvalho fazia brilhar o prado, refletindo a
primeira luz matinal, e chegou à faia quando as sombras já se
espalhavam como um manto de silêncio.
- Mocho, quero fazer-te uma pergunta - sussurrou, esticando o corpo para cima.~- O que és tu? Onde estás? - quis saber o mocho.
- Sou um caracol e estou ao pé do tronco - respondeu.
-
É melhor subires até ao meu ramo; a tua voz é tão fraca como o ruído da
erva ao crescer. - Sobe - convidou o mocho, e o caracol começou outra
viagem lenta, muita lenta. (...)
- Cá estou - sussurrou o caracol.
- Eu sei - respondeu-lhe o mocho.
- Não abres os olhos para me ver? - tornou a murmurar o caracol.
-
Abro-os À noite e vejo tudo o que há; durante o dia fecho-os e assim
vejo tudo o que houve. Qual é a tua participação? - inquiriu o mocho.
- Quero saber porque sou tão lento - segredou o caracol.
O mocho abriu então os seus olhos enormes e redondos e observou atentamente o caracol. Depois fechou-os outra vez.
- És lento porque carregas um grande peso - revelou-lhe o mocho.
O
caracol não achou aquela resposta convincente: nunca julgara que a sua
concha fosse pesada, carregá-la não lhe causava fadiga e jamais ouvira
um caracol a queixar-se desse peso. De modo que o disse ao mocho e
esperou que este acabasse de rodar a cabeça em volta do pescoço.
-
Eu conseguia voar e já não o faço. Antes, muito antes de vocês, os
caracóis, habitarem no prado, havia muito mais árvores do que estas que
se vêem agora. Havia faias e castanheiros, azinheiras, nogueiras e
carvalhos. Todas essas árvores eram a minha casa, voava de ramo em ramo,
e a lembrança dessas árvores que já não existem pesa-me tanto que
deixei de poder voar. Tu és um jovem caracol e tudo o que viste, tudo o
que provaste, as coisas amargas e doces, a chuva e o sol, o frio e a
noite, tudo isso vai contigo, pesa, e, como és tão pequeno, esse peso
torna-te lento.
- E de que me serve ser tão lento? - sussurrou o caracol.
-
Não tenho resposta para isso. Tu próprio terás de encontrá-la -
disse-lhe o mocho. E com o seu silêncio deu a entender que não queria
mais perguntas."
História de um caracol que descobriu a importância da lentidão / Luís Sepúlveda; il. Paulo Galindro. Porto: Porto Editora, 2014.
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