- Meu Deus! Que triste vida! Não acontece nada... E eu, tão bonita, com tão doce cheiro, aqui presa no mato, debaixo destes tufos, sem poder correr mundo, vir nos jornais, entrar na sociedade!...
E
vá de lamentar-se, chorar e pôr perfume; pôr perfume, chorar e
lamentar-se, dia e noite, sem fim, que até fazia dó. "Fazia dó" é só um
modo de dizer porque os vizinhos de Violeta não tinham pena nenhuma dela
e andavam mesmo muito aborrecidos com aquele estardalhaço de choros e
lamentos e um tal exagero de perfumes que abafava qualquer odor em
volta.
-
Ora esta! - exclamava um dente-de-leão. - Vem a gente para aqui para
gozar os bons ares e parece que está no átrio de um teatro.
-
Já é preciso azar - diziam as urtigas. - O que custou à nossa
mãe-semente voar por essas serras contra todos os ventos para achar esta
encosta recatada e tranquila... para afinal morarmos ao lado desta
vampe que não faz outra coisa senão incomodar-nos!...
Eetcétera.
Havia, por exemplo, um gafanhoto todo ecologista que acusava a Violeta
de sufocar o aroma balsâmico das seivas. E havia mesmo um pé de
hortelã-pimenta que se esticava todo para ver se saltava e se ia plantar
um pouco mais além, onde os homens, passando, dissessem:
- Que bom cheiro a hortelã-pimenta!
Em vez de: - Que bom cheiro a violetas!
Para
Violeta, estes elogios e aquelas invejas e recriminações não chegavam
para dar sentido à vida. Queria sair da sombra, da mediocridade. E viu
passar a brisa:
-
Brisa, minha boa brisa, toma-me nos teus braços e leva-me contigo para
uma cidade, onde eu possa brilhar, ser admirada, ganhar muito dinheiro,
dar autógrafos...
A
brisa estava com falta de paciência. Por todos os lugares onde passava
havia sempre alguém que suspirava, punha os olhos em alvo e começava:
- Brisa, minha boa brisa, faz-me isto, faz-me aquilo...
Ora
tomara a brisa que a deixassem em paz! Bastante apoquentada andava ela
com o próprio destino: para cá, para lá, vem do mar, vem da terra,
carrega agora o cheiro do pinhal, agora o cheiro da lenha, o cheiro a
mosto, daqui para ali, dali para aqui, sem descansar... Para quê? Sim,
para quê? Ninguém sabia.
-
Estúpida Violeta! - disse a brisa que, além de impaciente, era
mal-educada. - Ando eu aqui estafada de um lado para o outro e tu aí
quietinha, bem comida, bem dormida, abrigada e bem-cheirosa e ainda me
vens por cima com Literaturas!
Literaturas
baratas, já se vê, tiradas das cantigas que os homens trazem para o
campo em rádios quando fazem piqueniques aos domingos. "Brisa, minha
brisa, isto e aquilo..." Julgam que eu sou a mala-posta, ou quê? Não
levo nada, não trago nada para ninguém. Ponto final!
Violeta
ficou muito ofendida. Chorou, chorou, chorou: fez um laguinho com as
suas lágrimas. Vai o sol, achou graça àquele laguinho. Esgueirou-se
entre a folhagem e foi para lá brincar. Vai, fez-se um arco-íris: lindo,
lindo!... Violeta sorriu. Olhou melhor. Uma das cores estava a
dizer-lhe adeus.
- Olá - disse a Violeta. - Quem és tu?
- Eu sou Violeta - disse a cor.
- És tão bonito... - disse a Violeta. - Seremos nós parentes?
- Temos muitas parecenças - disse a cor. - Olho para ti e até parece que me reconheço.
- Vem ter comigo - suspirou a Violeta.
-
Vou tentar - disse a cor. E deu tanto esticão que se soltou do
arco-íris. Vai, poisou sobre a flor e sentiu-se tão bem, tão bem, que lá
ficou. Agora, conta histórias do que viu quando andava no céu ou entre
as chuvas, ou nos jardins, no meio dos repuxos.
E
a Violeta . está claro - ri-se, ri-se, tornou-se bem-disposta, perdeu
as ambições: não quer saber de autógrafos para nada. Ou não fosse esta,
verdadeiramente, uma história de amor com violetas."
A luz de Newton / Hélia Correia. Lisboa: Relógio D´ Água, 2015.
Imagem: Veilchen & Bilder
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